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sábado, 2 de abril de 2011

OFÍCIOS

                                                       OFÍCIOS
 - Comigo perdem o tempo. Meu oficio é malhar ferro.
Manuel pensou no seu ofício de cortar madeira, comparou os dois materiais. A diferença teria algum efeito na resistência das pesoas que lidam com um e outro? Bobagem. Pau é pau, ferro é ferro; e gente é gente. Um homem vai ser ferreiro, ou carpinteiro ou sapateiro é por acaso, como aconteceu com ele Manuel. O pai era carpinteiro, ele teve também de aprender o ofício, para ajudar; não podia ficar o tempo todo zanzando sem ocupação. Vai ver que com Apolinário aconteceu do mesmo jeito. Mas será que não entra a força da vocação? Muitos rapazes quiseram aprender carpintagem com ele, mexeram, viraram, largaram, não aprendiam nem pegar as ferramentas. 
E será também que o costume de lidar sempre com o mesmo material entra ano sai ano não vai influindo na alma da pessoa, contagiando moleza ou dureza? Reparando bem, parece que cada um vai apanhando cara do ofício que desempenha. 
Pensando nisso, ele olhou para Apolinário. A cara cheia, quadrada, de carne dura, parece que posta em pedacinhos, acalcados à força; a testa larga, com um caroço de cada lado, como inchaços encravados; o nariz grande bem enterrado na cara, os olhos pequenos para não gastar muito espaço; o queixo largo, de ponta entortada para frente; o pescoço quase da grossura da cabeça. Essa cara de Aplinário não poderia nunca ser cara de latoeiro, por exemplo. Latoeiro era João José, miudinho, ratinho, ombros estreitos de menino, mãos miúdas, não precisavam ser grandes para cortar folha, coisa tão mole. João José, enroladinho, lustroso, resmungão, de vez em quando se rebolando e arranhando os que lidam com ele. 
E ele, Manuel? Mole como madeira no ferro? Às vezes querendo fingir dureza, inventando nós que a ferramenta não respeita, passa por cima e iguala? As mãos do carpinteiro, o corpo, a alma do carpinteiro não podem ser mais brutos do que a madeira. Em madeira não se trabalha batendo com força, com raiva; só lenheiro faz isso, mas lenheiro é quase igual ao machado que ele levanta e abaixa sem dó, sem consideração; basta olhar a cara de um lenheiro para se ver que ele não tem delicadeza nem tato: não precisa. 
Ferreiro também trabalha batendo, pondo força. Mas tem  uma diferença: ele tem uma medida a encher, um ponto a chegar,  uma idéia a seguir; não bate para cortar nem rachar, bate para achatar, arredondar, conformar. Ferreiro trabalha fazendo, não desmanchando; e se desmancha é para fazer  de outro jeito. Na brutalidade do ferreiro tem uma delicadeza escondida.
Jose J. Veiga - A hora dos Ruminantes
Post. 
Nicéas Romeo Zanchett

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