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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

CARAMURU - Por Santa Rita Durão


CARAMURU
Por Fr. José de Santa Rita Durão 

O NOSSO POEMA NACIONAL 
No seu poema épico Caramuru, teve anta Rida Durão um bem definido propósito patriótico. Este livro é a época do descobrimento do Brasil; a história do país é objeto no poema de três longas narrativas episódicas diversas, e o teatro da ação é o Recôncavo, por assim dizer, o berço da nacionalidade que ia aqui nascer e desenvolver-se.
Foi orquestrado pelo nosso grande Maestro Carlos Gomes. 
Nicéas Romeo Zanchett 
               Ia ele de Portugal para o Brasil, quando uma tremenda tempestade acomete o navio e o faz dar à costa. Muitos cadáveres são arrojados pelas ondas à praia, onde os ferozes indígenas os devoravam. Sete, apenas, escaparam com vida, vindo do navio a nado até à terra. A estes poupam os horrendos selvagens, nus, de pele avermelhada untada de resinas, com as orelhas, nariz e boca furados, de onde pendem grosseiros enfeites, e com os lábios ainda vermelhos do sangue das suas vítimas recentes. 
               Mas se os poupam e os sustentam com cuidado, é apenas tendo em vista a sua engorda, a fim de mais delicioso e farto ser o banquete que preparam. 
               Enquanto dura o seu cativeiro, um dos náufragos, acompanhando-se numa viola que as ondas tinham trazido à pria ( juntamente com armas, munições e pólvora) canta, para recrear os companheiros. É nativo de uma ilha do Atlântico e poeta; e canta a história do bom selvagem americano que escutou a palavra de um missionário e morreu com cheiro de santidade, sendo o seu corpo levado numa nuvem para a ilha do Corvo, onde foi colocado no cimo de um alto pico, transformando-se aliem estátua que ficou apontando para o Brasil, a fim de que os europeus, obedecendo ao seu gesto, se encaminhassem para o Novo Mundo e ali espalhassem a salvadora doutrina de Cristo. 
                Enquanto os cativos escutavam  estes cantores, Diogo, que entre eles se encontrava, contou-lhes o pressentimento que tinha de que brevemente a sua triste vida findaria na horrenda festa dos selvagens. E aconselhou-os a que afastassem seus pensamentos de cuidados terrenos, e, pedindo a Deus perdão de suas culpas, lhe encomendassem as almas. 
                Iam adiantados os preparativos da sinistra festa, e em breve os canibais os viriam buscar à gruta onde faziam sua morada, exceto a Diogo, que deixaram ali ficar, porque estava muito magro e doente. Ataram seis a postes e já o carrasco se aproximava de um erguendo o maço para com ele lhe esmagar a cabeça, quando se ouviu espantoso trovão que a todos amedronta, ao mesmo tempo que uma turba inimiga faz chover dardos e pedras sobre os selvagens, fazendo mortos os que queriam matar. Era Sergipe, chefe da vizinha tribo que com eles andava em guerra, que assim, de surpresa, os acometia. Logo esse chefe manda soltar os cativos, a quem toma por escravos. Porém, não há deles mais memória, e presume-se que, vagueando pelas brenhas, teriam ali encontrado a morte, servindo de alimento às feras. 
II
                O sol já estava alto quando, ao dispersar daquela turba carniceira, Diogo se viu só na gruta, ocupado por mil pensamentos desencontrados e por mil terrores. Anima-se, porém, em breve, e o seu peito vagaroso resolve não morrer sem tentar defender-se. Doente e enfraquecido, pouco podia contar com as suas forças, mas entrando na caverna que lhe servi de habitação, ali se revestiu das suas armas e elmo, e cingiu a espada e pôs a espingarda ao ombro. 
                Saindo da gruta assim armado, viu a turba dos selvagens, que davam mostra de terem sido vencidos. Vendo Diego armado, recuaram espavoridos, julgando contemplar um ente sobrenatural. De bruços aos seus pés lhe cai o chefe Gupeva, sucumbindo de pavor. Aproveitando aquela disposição, Diego, servindo-se do pouco que que aprendera da língua durante o cativeiro, fez valer o terror que inspirava e, falando mansamente, lhes explica que serve um Deus onipotente, que é o Pai de  todos, e que detesta os sacrifícios humanos e proíbe os costumes canibais. Leva consigo o chefe Gupeva ao interior da gruta, e ai, servindo-se do fuzil, acende rápido a candeia, o que mai assombra e assusta os selvagens. Mostra-lhes as armas, as roupas, e uma imagem da Virgem que impressiona vivamente  Gupeva. 
                 Sai dali o chefe cheio de respeito e fala aos seus, repetindo-lhes as palavras do branco e ordenando que o venerem e o temam, porque é seu amigo e poderoso.  
                 No dia seguinte organiza-se uma grande caçada, e então Diego, pegando na espingarda, atira a uma ave que logo derruba. O efeito deste tiro é espantoso. Os selvagens caem por terra e estorcem-se de pavor, gritando: Caramuru! que significa filho do trovão. E, dai por diante, esta palavra fica sendo para eles o nome do herói.
                 Levam-no então para a sua taba ou aldeia, onde lhe fazem as honras da hospitalidade. Pouco depois tem Caramuru a oportunidade de ver a filha de um rei vizinho, que é branca, rosada e linda como um anjo. Logo lhe oferece a mão de esposo, apenas exigindo que ela se convertesse ao catolicismo.
                  A bela Paraguaçu passa a servir de interprete para as conversas entre Caramuru e Gupeva; e este conta ao branco a sua fé na imortalidade com tão acertadas e claras razões que deixam o herói admirado. 
                  Pelo meio da conversa vai sempre Diego falando do Deus verdadeiro e da sua santa doutrina e Gupeva conta-lhe como a tradição na sua gente tem observado as crenças antigas de um dilúvio universal de que só espantou Tamandaré e sua esposa, de quem descende toda a raça humana espalhada pelo mundo. 
                  Diz-lhe as leis do seu povo, como se pratica a lei de Talião e como os anhangás (demônios) tentam os homens  e os levam aos crimes; como existe um inferno horrendo para os maus em vales profundíssimos escondidos entre as montanhas que dividem o Brasil do Peru;  e que existe um paraíso além dessas montanhas, para os heróis e os justos. 
                  Termina Gupeva o seu discurso contando os milagres e pregões de São Thomé aos selvagens; sabem estes que ele era um enviado  de Deus que queria ensinar-lhes o caminho do céu, mas esqueceram a sua doutrina. 
                  Grande alarido interrompe o chefe nesta altura. É uma forte tribo inimiga que avança em pé de guerra. Recomenda Diego calma e prudência, e, disparando a espingarda, semeia terror na turba inimiga. 
IV
                   O invasor era um chefe errante, terror do sertão, chamado Jararaca que, tendo um dia avistado a linda Paraguaçu, desejava casar com ela. Pedira ao pai e este acedera ao eu pedido, mas Paraguaçu não dera seu consentimento. Despeitado e irritado com esta recusa, Jararaca jurava vingar-se. 
                   Para esse fim reuniu numerosos tribos de ferozes selvagens, de aspecto tão medonho que só vê-los causava espanto. Numerosos como as areias do mar,  ai vinham eles agora, com seus chefes desafiando com gritos que mais pareciam demônios. 
                  Disse-lhes Jararaca que Gupeva fizera aliança com o filho do trovão, e que diante dele tremera de medo e se humilhara, mas que ele, Jararaca, não tinha tais pavores, pois os raios do céu também matam alguns homens, mas não todos; e, declarando não ter medo algum de Caramuru, dizia que avançaria para ele sem tremer. 
                 Começa a batalha inaudita; com os invasores vinha um exército de mulheres guerreiras temíveis, comandadas pela afamada Guarapiranga, chamada de grã baleia; mas do lado de Gupeva um outro batalhão feminino, não menos terrível, era comandado por Paraguassú. 
                Já o sangue corre, já muitos guerreiros caem para não mais se levantarem, quando um aliado de Jararaca, lança sobre Diego um tigre amestrado para a guerra, que consigo trazia.
Uma detonação retumba nos ares; a fera cai; Diego, precipitando-se, corta-lhe a cabeça. O terror domina as ondas inimigas, que se rendem ou fogem. 
                Paraguassú faz maravilhas ao lado de Diego, valendo eles dois por todo um exército, tal é o seu valor e os fitos estupendos que praticam; porém a donzela arrojada, afastando-se de caramuru no ardor da peleja, é ferida e cai em poder dos inimigos. 
                De novo se acende a luta atroz em torno daquele troféu precioso.  Diego consegue por fim libertar a moça, e, tocando num tambor e disparando mais uma vez a espingarda, põe o inimigo em debandada e decide a sorte da batalha. Paraguassú, que desmaiara, volta a si e recompensa com um sorriso o seu libertador. 
                Mas Diego aponta a espingarda com mão e vista certa; espera a ocasião; o tiro parte; a bala atravessa a cabeça de Jararaca, que tomba como árvore derrubada. 
                Com a morte de Jararaca e o desbarato das canoas, a vitória é completa e definitiva. Todos os chefes inimigos se juntam e vem render-se a Diego, que por todos é eleito chefe supremo do sertão. 
                Tenta ele antão abolir o horrendo costume de banquete de carne humana; porém o costume e a gula são tamanhos que em tudo lhe obedecem seus vassalos, menos nisto. 
VI 
                 Vencida com espantosa vitória a grande batalha, de todos os pontos do sertão vieram chefes prestar homenagem a Caramuru e oferecer-lhe presentes.  Todos lhe traziam as filhas para ele tomar como esposa; e estas vendo Diego ficavam com ciúmes de Paraguassú, de quem desejavam a morte. A bela preferida, aborrecida de tantas e tantas contrariedades, estava ansiosa de partir com o seu noivo para a Europa. 
                Diego, preocupado com v´rios pensamentos, afastou-se um dia da taba e pelas margens do formoso e vasto rio de São Francisco se foi alongando. Procurando refúgio contra os raios do sol ardente, penetrou numa gruta ou lapa, onde ficou assombrado. Era uma vastíssima caverna cavada e trabalhada pela natureza e tinha a forma e a grandeza de um enorme templo cristão. Ali caiu Diego de joelhos, adorando o Senhor, pois em tal milagre reconheceu o sinal de que Deus não desamparava os selvagens e já se preparava para os juntar ao seu rebanho de fieis.
                Prosseguindo na sua viagem, teve Diego ocasião de salvar uns náufragos espanhóis que, vindos do Peru pelo largo do rio, demandavam novas terras. E, pouco depois, avistou uma nau francesa.  Nessa nau embarcou, levando consigo Paraguassú, com destino à Europa, pois estava cansado de tamanhas aventuras e desejoso de levar aos seus as novas terras que descobrira e dos povos que dominara. 
                Ao largar a nau, depois das despedidas, as moças que queriam casar com Diego lançaram-se no mar e a nado seguiam, chorando, o navio. Uma delas, chamada Moema, agarrada ao leme, rompia em queixas que cortavam o coração; e por fim fundou-se nas ondas, e as outras, a nado, desconsoladas retrocederam à praia.  (Este episódio de Moema é um dos mais belos de todo este maravilhoso poema épico).
                Navegava o navio com bonança, e o comandante francês,sentado á popa, ia perguntando muitas coisas a Diego, que respondendo-lhe, narrava sua descoberta do Brasil e a divisão do mundo que o Papa fizera entre portugueses e espanhóis. E descreveu-lhe as diferentes províncias brasileiras, cada qual com a sua formosura e riqueza espantosas. Narra também a chegada ao Brasil do grande Cabral, que logo na nova terra descoberta fez erguer o sagrado lenho e celebrar um ofício divino e que os nativo, ainda que não compreendendo a sua significação, assistiram com grande respeito. 
                Conta depois a história das suas espantosas aventuras e de como assim descobrira a Bahia e novas terras e povos. 
VII
                Foi no outono que chegou à França o navio que levava Diego e a gentil Paraguassú. Reinava então Henrique II, casado com Catarina de Médicis. 
                Paraguassú, ao ver os palácios, as torres, a casaria, os vestuários e todos os luxos e movimento da cidade importante e civilização que era Paris, ficou estupefata de admiração e só nos olhos se lhe conhecia vida, pois parecia ter perdido o entendimento. 
                Logo, em Paris, se espalhou a fama de tal chegada. Diziam que Diego era o rei do Brasil e Paraguassú a rainha, e de todos os pontos da cidade acudia o povo para vê-los. 
               Foram recebidos pelos reis no meio da sua suntuosa corte e ali Diego contou as suas aventuras e disse-lhe que Paraguassú, que o acompanhava,  era princesa ilustre da sua tribo e que desejava abraçar a fé de Cristo. 
                Catarina de Médicis ofereceu-se para ser madrinha de batismo, e três dias depois,com grande suntuosidade,  Paraguassú banhou-se na água benta de um dos maiores templos de Paris, recebendo de sua augusta madrinha o nome de Catarina Alves. Com esse nome ficou sendo chamada aquela a quem a Bahia reconhece como sua fundadora. 
                Seguiu-se à importante cerimônia do batismo um grande banquete no paço do rei; e depois os reis determinaram receber o casal em audiência privada. 
                Nessa ocasião Henrique II manifestou a Caramuru o seu desejo de o ouvir sobre o que sabia sobre o Brasil. Obedecendo, Diego começa fazendo uma exposição da geografia do Brasil e dos hábitos e costumes das raças humanas que lá vivem. Descreve as províncias imensas, os enormes e majestosos rios, as florestas riquíssimas; e conta os usos estranhos, as tradições, a vida dos povos selvagens.  Passa em seguida a narrar quais os vegetais que lá abundam, as flores mimosas ou magníficas, os frutos abundantes e deliciosos, as preciosas madeiras seculares, os animais estranhos e variados da terra, do mar e dos rios , as aves multicolores, os inúmeros mariscos e as grandes baleias. 
                  Havia três anos que Diego chegara à França com o sentido de encontrar nesta viagem qualquer maneira de poder reformar os bárbaros costumes dos selvagens. lembrando-se sempre daquela pobre gente, meditava no regresso, a fim de prosseguir na sua vontade de salvar os selvagens da sua triste condição. 
                   Foi então que o rei Henrique lhe ofereceu auxílio, forças, apoio e recompensa se ele aceitasse ir ao Brasil por conta da França. Diogo agradeceu, mas recusou, pois antes de tudo era português e a Portugal pertenciam as terras brasileiras que descobrira. Admira Du-Plessis, o capitão do navio que o trouxera, a sua nobre atitude, e associa-se à sua nova empreitada. Parte a nau levando a seu bordo Diego e Paraguassú. Não longe iam já do Equador quando Paraguassú, que orava, caiu num êxtase, não sabendo os que a rodeavam se era desmaiada ou morta, e assim esteve muitas horas transfigurada. 
                   Voltado a si, narra a todos a estranha visão que tivera. Vira o futuro; a Bahia transformada numa grande e vistosa cidade; depois a invasão dos franceses e as horríveis guerras que se lhe seguiriam, distinguindo-se nelas vários heróis portugueses: Pedro Lopes de Souza, Luiz de Mello e Silva, Cristóvão Jacques, Mendo de Sá, Estácio de Sá, e outros, até que os invasores franceses foram expulsos e abatidos, e a voz do Evangelho domina na branda paz, espraiando-se pelas almas escuras que ilumina. Esta paz bendita durou setenta anos. Porém, eis que chega agora novo bando de invasores sequiosos das riquezas do Brasil. desta vez são os holandeses. Novas batalhas e novos heróis surgem, tais como o destemido Furtado de Mendonça, Menezes e outros. 
                  E estando Paraguassú neste ponto da sua narrativa, que todos escutam com assombro, de súbito se levanta medonha tempestade que a interrompe, correndo os marinheiros e Diogo às manobras. 
IX
                  Serenada a tempestade e branda a noite, todos se juntaram novamente, ardendo de curiosidade, em torno de Paraguassú, pedindo-lhe que continuasse a narrativa da sua visão. 
                  É aqui que ela conta a grande guerra com os holandeses, que durou quinze anos com alternativas de vitórias e derrotas, renascendo constantemente o valor português,  ao qual se unia o invencível valor dos povos brasileiros, de Mathias de Albuquerque, João Fernandes Vieira, e os dois heróis imortais Camarão e Henrique Dias. Termina por fim a tremenda luta pelo desbarato completo dos holandeses, que, desanimados, desistem da tentativa temerária e deixam o Brasil na paz e liberdade bem merecidas. 
                  Viu Paraguassú no seu sonho muitas coisas notáveis; viu no Brasil prósperas províncias e cidades soberbas nascer e crescer; e famosos vice-reis e prelados ilustres. 
                  Neste ponto se cala a bela Paraguassú e em novo êxtase a arrebata nova visão. Assim a deixam, esperando em breve ouvir a narrativa do sonho que a vontade celeste lhe envia. 
X
                   Terminando o seu delírio santo, conta Paraguassú o que em sonhos viu. Teve a visão divina da Virgem Mãe de Deus com seu filho celeste nos braços; e Nossa Senhora falando-lhe, disse que a tornaria a ver a terra brasileira e que a veria próspera e feliz, mas que fizesse restituir a sua santa imagem roubada e a entregasse ao culto. 
                  Todos comentavam esta visão sem a entenderem, quando, estando já à vista a terra brasileira, uma vela se aproximou do navio; dentro da embarcação vinham dois espanhóis  Gonçalez e Garcez, dois dos que Diogo salvara do naufrágio no rio, havia bastante tempo. Logo se abraçaram comovidos, e Garcez contou como de Portugal, onde tinha chegado a noticia mandada por Caramuru da sua descoberta da Bahia, haviam enviado uma nau com Pereira Coutinho destinada a fazer a conquista da Bahia. Porém os selvagens, que a principio o receberam muito bem e aceitaram suas leis e ensino de que logo no país todo se sentiu a benéfica influência, em breve, por discórdias e intrigas se tornaram inimigos. De uma vez em que Pereira Coutinho, no seu navio abordava à praia no meio de denso nevoeiro, a embarcação bateu numa rocha, onde se desfez, e então, conforme de costume, os selvagens  atacaram à gente branca, chacinando-a e devorando-a em grande parte, sendo uma das vítimas o grande Coutinho, o celebrado herói do Malabar!
                   Animou Diego com palavras de  conforto o bom Garcez, que chorava. 
                   Entretanto a nau entrava no recôncavo da Bahia e os nativos, aproximando-se e reconhecendo Caramuru e Paraguassú, recebiam-nos com mostras de grande contentamento. 
                  Du Plessis, o comandante francês, começa a fazer o seu comércio, trocando mercadorias que trazia por várias madeiras que os indígenas  iam carregando no navio, quando um selvagem, vendo numa capela interior da embarcação uma imagem da Virgem, a roubou e levou para terra. 
                  Diogo e Paraguassú, que presenciaram o roubo, entenderam então  a visão e caíram de joelhos, agradecendo a deus tal milagre, pois Paraguassú reconhecera na imagem a figura exata que em sonhos vira. 
                  Correu a abraçar e beijar e  adorar a imagem  santa; e os selvagens, admirados com fervor dos sentimentos religiosos que ela manifestava, começaram a imitá-la, pois bem sentiam que tal figura era objeto digno de veneração. Dizem assim as estrofes do poema: 
Carrega entanto o lenho desejado 
A nau de Du-Plessis, que Diego estuda, 
Que deseja em toda a terra obsequiado, 
Dando-lhe ao talho da madeira ajuda; 
Um carijó porém nisto empregado, 
Enquanto a carga em toda a nau se muda, 
Uma imagem roubou formosa e bela, 
Que a nau venera na interior capela. 
.
Observou-a Diogo na cabana
tratada dos Tupis com reverência, 
Estimando-a por coisa mais que humana, 
Que excedia dos seus a inteligência; 
Surpreendeu-se da imagem soberana
O lusitano herói; e à competência 
Com eles venerando a Mãe Divina
Chama a vê-la a piedosa Catarina. 
.
Pôs-lhe os olhos a dama; e transportada
"Esta é (disse) é esta a grã senhora
Que vi no doce sonho arrebatada. 
Mais que o sol pura, mais gentil que a aurora; 
Eis aqui! esta é a imagem venerada; 
Este era aquele roubo; entendo agora. 
Oh, minha grande sorte! Oh, imensa dita!
Isto me quis dizer a Mãe bendita!".
.
Dizendo assim com ânsia fervorosa
Prostrada abraça a imagem venerada; 
Beija-a, aperta-a, de gosto lacrimosa.
Mil saudosos ais ao céu lhe manda: 
"Aqui vos venho achar, Mãe piedosa, 
No meio (disse) desta gente infanda!
Infanda, como eu fui se o vosso lume
Não me emendara o bárbaro costume." 
.
Olha entanto suspensa a gente bruta, 
E os excessos que vê cuidando admira;
Nem concebe nas vozes que lhe escuta
Se prazer seja, se de dor suspira; 
Quanto à dama piedosa obrando vira
Qualquer imitação fazer deseja, 
E este a adora, outro abraça, e aquele a beija. 
.
O lusitano e fraco religioso
Veneraram com fé prodígio tanto, 
Lembrando-se do roubo portentoso
Com claro indício de presagio santo, 
Enquanto o brutal povo numeroso
Tudo nota em um êxtase de espanto, 
Até que a um templo em pompa veneranda
A pia multidão a imagem manda. 
.
                  Foi esta a primeira imagem de Virgem que apareceu em terra brasileira. Foi aclamada sob a invocação de Senhora da Graça, protetora da Bahia. neste grande festejo se empenhava a turba, quando se ouviu uma salva estrondosa e se avistou uma grande armada que demandava o porto. Era Thomé de Souza que chagava do reino, mandado pelo rei de Portugal como governador da Bahia. 
                  Fez então uma grande cerimônia em que  a bela Paraguassú, aparecendo coroada de plumas e com o marraque por cetro na mão, em todo o esplendor  da sua realeza, fez uma fala solene ao seu povo, anunciando-lhe paz e prosperidade sob o jugo doce e paternal da grande nação lusa, que estendia o seu império até aos confins do mundo. 
Findo o seu discurso, tirou a coroa, que entregou a Souza, assim como o marraque, insígnia de soberania, e, descendo do trono, para lá convidou o governador a subir e lhe prestou homenagem. 
                  Diogo então aclamou o rei  na pessoa do governador, e os selvagens compreenderam que Thomé de Souza era agora a quem eles deveriam obediência. 
                  A estrofe sobre este momento é a seguinte:
Logo o Caramuru na língua do estilo
das naturais falando ao chefe novo, 
Posto tudo em silêncio para ouvi-lo, 
O escudo da Bahia mostra ao povo; 
A pomba de Noé, que ao noto asilo
Com ramo de oliveira vem de novo, 
Dando a entender a paz que à crua gente 
Com a fé dispensava o rei clemente. 
.
                 Entrou a Bahia num período de prosperidade, e os missionários  espalharam a doutrina cristã, abrandando-se os costumes e aceitando aqueles povos a civilização sem serem oprimidos pelos colonos. 
                  Thomé de Souza publica um decreto real em que é mandado honrar na colônia Diego Alvares Correia, que vive feliz com sua esposa, e por todos é estimado. 
.
Pesquisa, resumo e adaptação do poema por
Nicéas Romeo Zanchett 
.

BREVE BIOGRAFIA DE SANTA RITA DURÃO 
                  O frei José de Santa Rita Durão, nasceu em Cata Preta, em 1722. Foi um religioso agostiniano brasileiro do período colonial, orador e poeta. É também considerado um dos precursores do indianismo no Brasil. Caramuru foi seu poema épico e a primeira obra narrativa escrita a ter como tema o habitante nativo do Brasil; Foi inspirada e escrita no estilo de Luiz de Camões.  Estudou no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro até os dez anos de idade, partindo em seguida para a Europa, onde se tornara padre agostiniano. Doutorou-se em Filosofia e Teologia pela Universidade de Coimbra e, em seguida, lá ocupou uma cátedra de Teologia. 
                   Em Coimbra, durante o governo de Pombal, foi perseguido e teve de abandonar o país. Trabalhou em Roma como bibliotecário durante mais de vinte anos, até a queda de seu grande inimigo Pombal, quando então pode voltar para Portugal.  Esteve também na Espanha e na França. 
                   Com a queda de Pombal aconteceu a restauração da cultura passadista, e a sua principal atividade passou a ser a redação de Caramuru, publicado em 1781. Esta obra é seu grande poema  épico de dez cantos, que foi influenciado pelo modelo camoniano. Formado por oitavas e criadas e incluindo informação erudita sobre a flora e fauna  brasileiras, como também sobre os índios e sua cultura. Conta-se, entretanto, que sua obra seria muito maior, mas como a reação da crítica e do público foi muito fria, ele teria destruído o restante da obra poética. 
                    Morreu em Lisboa no dia 24 de Janeiro de 1784. 
Nicéas Romeo Zanchett




                  

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